5 de abril de 2023

Engenharia nas alturas

Entrevista com o eng. Eduardo André Both
Diretor da Zeplin Engineering Solutions
Por Mariuza Rodrigues – TQSNews

Sem dúvida é tempo de grandes mudanças no campo da Engenharia brasileira e uma das mais interessantes será na altura dos edifícios, sobretudo nas grandes metrópoles, seja como alternativa construtiva, arquitetônica ou até mesmo financeira. Sem saber direito quando essa mudança iria acontecer, o engenheiro Eduardo André Both passou intuitivamente a se interessar por esse aspecto. Seu interesse o levou a buscar profissionais e escritórios que avançavam neste conceito, mesmo que aos poucos. Até que o universo conspirou a seu favor e o levou a conquistar o projeto de cálculo de um dos edifícios mais altos do Brasil de 60 pavimentos, em Balneário Camboriú, Santa Catarina.

Não existe acaso. Both se preparou longamente até chegar sua vez de colocar em prática conceitos, ensaios, pesquisas e estudos sobre os desafios de projeto de um edifício dessa magnitude. Para isso, diz ele, é preciso cercar-se de outros profissionais de igual interesse e qualificação, testar, testar e testar e, acima de tudo, não ter medo de buscar a opinião contraditória. A construção do Balneário Camboriú acabou tornando-se um marco na Engenharia nacional assim como hoje estes edifícios altos tornaram-se um verdadeiro ponto turístico da Engenharia brasileira e da cidade litorânea que o abriga. E sobretudo um modelo de estudo para os próximos empreendimentos similares. A Zeplin está levando sua escola agora para o Paraguai onde atua no projeto da Petra Tower, que será o edifício mais alto do País, com 170 m de altura. Se o céu é o limite, na terra não existe limite para o apetite de crescimento dos meninos da Zeplin. Veja a seguir a entrevista (e as dicas) de Eduardo Both, especialista em edifícios altos no Brasil para os seguidores do TQS News.

Por que você escolheu a Engenharia como profissão? Qual a faculdade que você cursou (e quando) e o que o influenciou no seu interesse pela área de Cálculo Estrutural?

Creio que o motivo vem da infância. Nasci na zona rural de uma cidadezinha do Rio Grande do Sul. Para se ter ideia do quão isolado era o local, nem falávamos português. Quando criança, vivia construindo coisas, desde castelos de cartas tão altos até as cartas flambarem (eu tinha muitos baralhos à disposição) até minicidades com forquilhas de árvores e sarrafos de bambu. Fazia todo tipo de experimento construtivo. Foi uma época estimulante. Cursei Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de 1998 a 2002. Me interessei por estruturas por gostar de mecânica estrutural e achar intuitivo, e por influência de minha irmã mais velha, engenheira Alessandra Both, também calculista e hoje integrante do time Zeplin.

Como se deu o início de sua carreira? Onde começou como estagiário e, posteriormente, como passou a atuar como profissional?

Iniciei a carreira na Projetak, em Porto Alegre, na mesma semana que concluí o curso de Engenharia. Foram 5 anos de intenso aprendizado. Sou muito grato por tudo que aprendi com os grandes engenheiros da Projetak na época, como os engenheiros José Júlio Tavares (dono do escritório), Leandro Rachevsky, Claudia Gewehr e Charles Roncatto. O método de trabalho era, a meu ver, excelente para um engenheiro novato com vontade de aprender. Recebíamos 100% por produção e cada engenheiro era integralmente responsável por suas obras. Isto incentivava o aprendizado e a responsabilidade. Em um ano, saí do zero para precisar conhecer todos os aspectos de um projeto.

Quais são os aspectos mais interessantes, a seu ver, com respeito ao Cálculo Estrutural que o atraiu para essa área?

O mais interessante para mim é sem dúvida encontrar/criar uma solução única, elegante e eficiente dentre as infinitas soluções estruturais que existem para determinada obra.

O que considera fundamental para o aprendizado de um projetista? É necessário passar ou buscar uma diversidade de atuação em termos de projetos assim como cursos de especialização?

O mais importante é amar o que faz. Estar apaixonado não é suficiente. A paixão tem vida curta. Depois disso, vá atrás e aprenda com os melhores profissionais da sua área. Se espelhe neles. Procure saber como pensam e por quê. Valorize-os ao máximo. Você deve seu futuro a eles. Se quiser enxergar mais longe, se apoie em ombros de gigantes, como dizia Newton.

O que marcou mais em seu aprendizado? Teve algum projeto que o senhor destacaria nessa caminhada?

Até hoje, o projeto que mais me marcou foi o primeiro que fiz, o Shopping Center Bourbon em São Leopoldo, RS. O aprendizado que tive nessa obra é incalculável. A construção era parcialmente nova e parcialmente retrofit de uma fábrica. Sou eternamente grato pelos inestimáveis ensinamentos e paciência do engenheiro Leandro Rachevsky, que era o líder daquele projeto. O mais importante é amar o que faz. Estar apaixonado não é suficiente. A paixão tem vida curta.

Como começou seu interesse em atuação no projeto de edifícios considerados altos, acima de 40 pavimentos?

Durante o curso de Engenharia, minha irmã comentou sobre os edifícios altos que ela estava ajudando a projetar em Balneário Camboriú (era final dos anos 1990). Me senti atraído (talvez pelos castelos de carta da infância…(rs). Comecei a cursar matérias eletivas e estudar os fundamentos do assunto. Já no início da carreira, na Projetak, procurei aplicar os princípios nos edifícios que tinha em mãos, mas não eram verdadeiramente altos (em torno de 20 andares). Tentei modelar o World Trade Center na época, mas encontrei pouca informação. A primeira oportunidade em um edifício de mais de 150 m de altura só veio 10 anos depois, em 2012, já no escritório do engenheiro Aníbal Knijnik (outro engenheiro que tenho enorme gratidão) em São Paulo. Nesta época, começamos a projetar edifícios em Balneário Camboriú. Com a possibilidade de aplicar os conhecimentos, procuramos nos aprofundar nos conceitos que regem esse tipo de estrutura, estudando as soluções dos maiores edifícios do mundo. É uma jornada que nunca termina. Continuo estudando e todos os dias aprendo algo novo. Um dos marcos de sua trajetória é justamente o projeto do Balneário Camboriú de 60 andares.

Como o senhor se qualificou para atender a este projeto?

Foi uma concorrência. Precisávamos apresentar a proposta comercial com a solução estrutural e quantitativos. Após a fundação da Zeplin, escritório de cálculo em parceria com meu sócio engenheiro Leonardo DeMartini e, logo em seguida, com a chegada do engenheiro Guilherme Huber, que também se tornou sócio, estávamos atrás de uma oportunidade para atuar em Balneário Camboriú. Até hoje, este edifício de 195 m de altura, esbeltez 10/1 e 37 cm de espessura média no pavimento tipo é nosso parâmetro em eficiência estrutural e sempre será um marco para a Zeplin. Sabíamos que se quiséssemos projetar obras desafiadoras e particularmente edifícios altos, era esse o local certo. Aí veio a oportunidade. Neste momento, mergulhamos novamente nos estudos técnicos e aproveitamos para registrar o conhecimento em um documento que virou uma palestra sobre estruturas de edifícios altos. Infelizmente, devido à pandemia, ministramos somente uma em Itapema e não retomamos as palestras até hoje. Como aprendizado destaco a humildade de admitir que você não vai acertar de primeira. É necessário pensar e testar soluções diferentes até chegar lá.

Como o escritório se organizou para desempenhar esse projeto: foi preciso se dividir em grupos de estudo? Que etapas foram mais críticas? Como se dava a verificação dos processos? E como a tecnologia colaborou em todo o desenvolvimento desse cálculo?

Focamos em alcançar a melhor solução possível. Para isso, investimos em três frentes: i) aprofundar nossa base conceitual; ii) pesquisar o máximo de edifícios no mundo com características semelhantes e estudar suas soluções estruturais; iii) realizar análise exaustiva. O passo a passo da solução foi da seguinte maneira: inicialmente identificamos as variantes de solução mais promissora com base nos conceitos, nas soluções típicas dos edifícios estudados e na nossa experiência prévia. Após essa etapa, aprofundamos a análise em cada uma das variantes até compreender qual era a vencedora. Por último, analisamos exaustivamente a vencedora até alcançar o ponto de otimização. No total realizamos testes com aproximadamente 200 modelos diferentes no sistema TQS. Um aspecto a mais é a localização numa região litorânea e conhecida pelas intempéries (como tempestades) e velocidade dos ventos.

Como esses fatores definiram o projeto? Como projetista de uma obra tão exclusiva o senhor acompanha o desempenho dessa estrutura?

Para análise da ação dos ventos recomendamos o ensaio de túnel de vento, estudo climático e de pressões de fachada. Esse serviço foi realizado pelo competente laboratório da NOVA Fluid Mechanics, em Gênova, Itália. Após o ensaio de túnel de vento, recebemos uma excelente notícia. O desempenho estrutural fora aprovado sem necessidade de ajustes, apesar do edifício ser de frente para o mar, exposto ao vento. Complementarmente, para análise dinâmica e de sloshing da piscina de 20 m que existe na cobertura contratamos o engenheiro Sergio Stolovas, que é o melhor no assunto. Queríamos ter certeza de que estávamos seguros nestes itens. Durante o projeto, também, modelamos o edifício num dos principais softwares para edifícios altos dos EUA, a título de verificação. Recentemente, iniciamos conversas com construtores locais interessados em monitorar o desempenho dos edifícios altos após construídos, cujos dados serão interessantes de analisar e, eventualmente, utilizar em pesquisas.

Essa característica de altura tornou os edifícios altos um verdadeiro ponto turístico na cidade. Como o senhor analisa esse poder da Engenharia e da Arquitetura?

Desde a pré-história com Stonehenge, a antiguidade com as pirâmides e o Coliseu, passando pelos castelos medievais, muralha da China, as grandes catedrais e chegando até os dias atuais com o Burj Khalifa, as grandes obras da Engenharia e Arquitetura simbolizam o poder de uma sociedade e sua capacidade de superar desafios. As maiores obras vão muito além da necessidade do dia a dia. A ida do homem à lua não foi uma necessidade, mas um desafio encarado e vencido, do qual podemos nos orgulhar. Os grandes marcos da Engenharia são um símbolo da capacidade humana. Não devemos menosprezar o poder dos símbolos. Um dos principais desafios foi atender a alta demanda de rigidez imposta pelas condições locais. Os ventos fortes da região e o entorno preponderantemente de casas impuseram grande esforço à estrutura.

O Brasil já tem uma cultura sólida na execução desses edifícios? A seu ver esse conceito está se difundindo mais com outros projetos no País? O que destacaria deste projeto como um aprendizado para outros empreendimentos?

A cultura de edifícios altos no Brasil está em processo de formação. Em Balneário Camboriú e arredores ela é forte. Mas no restante do Brasil ainda é tímida. Em São Paulo, por exemplo, uma das maiores cidades do mundo, o edifício mais alto tem a mesma altura do edifício que projetamos recentemente em Assunção no Paraguai. Mas tenho a expectativa que durante os próximos 20 anos esse cenário irá mudar, com um boom de edifícios altos pelo Brasil. Se isso se confirmar, devemos dar o devido crédito à liderança e ousadia dos empresários da construção civil de Balneário Camboriú. Como aprendizado destaco a humildade de admitir que você não vai acertar de primeira. É necessário pensar e testar soluções diferentes até chegar lá. Há uma frase, creio que atribuída ao dr. Mário Franco, que diz aproximadamente o seguinte “em toda arquitetura há uma solução estrutural escondida”. Às vezes ela pode estar bem escondida (rs) e é nossa missão encontrá-la.

Que critérios são fundamentais para a solução de cálculo de um edifício acima de 60 andares?

Edifícios altos, particularmente com mais de 60 andares, possuem alta demanda de rigidez horizontal. Neste contexto, é útil compreender com a maior profundidade possível os conceitos básicos da Engenharia Estrutural, as soluções típicas e eficientes para cada caso e, acima de tudo, não ter constrangimento de admitir que há coisas que você só saberá se testar. Teste ao extremo. Faça quantas variantes forem necessárias para ter certeza que alcançou uma ótima solução. Para organizar os testes e agilizar a otimização, sugiro utilizar o conceito de árvore, algoritmo evolutivo ou equivalente. O nome assusta, mas o conceito é simples.

Qual foi o papel das tecnologias TQS ou outras nesse projeto? Esse tipo de projeto também exige a evolução constante dessas ferramentas? Como acontece esse diálogo entre projetista e desenvolvedor? Pode dar algum exemplo de melhoria que ocorreu nesse processo?

O TQS foi o software utilizado neste projeto e foi decisivo para sua eficiência e confiabilidade. No quesito eficiência, o TQS se sobressai sobre todos os grandes softwares que conheço. A interface do modelador é incrivelmente prática, assim como o detalhamento de armaduras pelas diversas interfaces do programa. No quesito confiabilidade, tivemos excelentes resultados comparando-o com software amplamente difundido no exterior, utilizado no projeto de vários dos prédios mais altos do mundo. Nossa relação com a TQS é a melhor possível. Estão sempre abertos a sugestões. Dialogamos recentemente com os desenvolvedores sobre a possibilidade de fazer ajustes no software para modelar um edifício com mais de 100 andares, no qual devemos trabalhar. Creio que será viabilizado em breve.

A edição completa da TQSNews pode ser lida aqui

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